O documentário "The Mask You Live In" traz uma nova perspectiva sobre o machismo enraizado em nossa sociedade. Foi lançado em 2015 por Jennifer Siebel Newsom, diretora do documentário Miss Representation (sobre a falta de representação das mulheres em posições de poder).
A emblemática frase de George Orwell no texto Shooting an Elephant, “Ele usa uma máscara, e seu rosto se adapta para preenchê-la”, representa perfetamente as ideias de The Mask You Live In: desde jovens, homens são forçados a vestir uma máscara de “masculinidade”. E ao longo de suas vidas, moldam suas ações a esta ideia da sociedade sobre o que é ser homem.
O propósito do documentário é tocar no cerne do problema: a criação de meninos em nossa sociedade. Ao contar com depoimentos de todos os tipos de especialistas, entre eles educadores, sociólogos, psicólogos e atletas, o documentário torna-se material obrigatório não só para todos os homens, mas também para pais e mães de meninos.
Na crítica ao machismo e a questões como a cultura do estupro, o diferencial da obra é mostrar que os homens que são geralmente tratados como culpados, são também vítimas deste processo.
A tese de The Mask You Live In é simples: todo homem abusador, que perpetua o machismo, foi um dia um menino abusado, que sofreu com uma educação machista. E se você é homem, com certeza vai se identificar com as questões abordadas na obra.
É muito normal que durante a infância e adolescência, um menino ouça com frequência lições sobre o que é ou não é “coisa de homem”. De “homem não chora” a “engrossa essa voz”, os jovens em formação vão incorporando a máscara que a sociedade espera que eles vistam, gerando uma ansiedade constante sobre “precisar provar sua masculinidade o tempo todo”, como defende o professor de Sociologia Michael Kimmel.
Sabemos que, de acordo com a psicologia comportamental, parte do aprendizado se dá por reforçamento/punições e pela observação de modelos. Quando um menino age de acordo com o que é esperado de um homem, tem seu comportamento reforçado pelos pais e pela sociedade à sua volta, através de recompensas sociais, como um olhar de aprovação ou comentários do tipo “esse meu filho é muito macho mesmo”. Como consequência, a criança irá reproduzir o comportamento, esperando obter recompensas novamente.
Mas quando age de forma diferente do que seria esperado, é comum ser punido. Na maioria das vezes a punição não vem através de um castigo ou de uma surra, mas de forma emocional. Além da clássica frase “isso não é coisa de homem”, novamente apenas um olhar de desaprovação ou decepção de um pai seria suficiente para que o filho aprendesse que aquele comportamento não deve ser reproduzido novamente.
Desta forma, os meninos são treinados a esconder suas emoções e a rejeitar todas as qualidades que são vistas como “femininas”, como a sensibilidade, o acolhimento, a intimidade com colegas e até mesmo o gosto pelas artes. Tudo para evitar que sua masculinidade seja questionada.
O filme apresenta algumas estatísticas assustadoras da sociedade norte-americana. Nos Estados Unidos, meninos são duas vezes mais propensos a reprovar ou largar a escola que meninas, e quatro vezes mais propensos a serem expulsos. O suicídio é a terceira causa mais comum de mortes entre jovens garotos, e 21% relatam acessar pornografia todos os dias.
Estas são apenas algumas das consequências de uma cultura que gera um estado constante de ansiedade e pressão nos jovens. Os efeitos, no entanto, não se encerram na infância e adolescência. Afinal, meninos machucados tornam-se homens machucados, que muitas vezes irão perpetuar estes valores a seus filhos.
Quando analisamos essas questões, fica bastante claro o quanto a reprodução destes valores faz mal para nossa sociedade como um todo. No entanto, uma questão importante é: por que homens continuam perpetuando valores que também fazem mal a si próprios e a seus filhos?
Para participar da sociedade, o ser humano se molda e adota os valores daquela cultura. Muitas vezes a prejuízo de sua própria individualidade, em busca de aceitação. Com isso, reproduz comportamentos que podem ser nocivos a si mesmo, perpetuando costumes que por algum motivo parecem estar acima de seu julgamento crítico.
Afinal de contas, ao perpetuarem críticas ao modo de outros se comportarem, em algum momento essas críticas podem se voltar contra si mesmos, se tiverem qualquer tipo de comportamento que também não se aplique a esses preceitos do que seria ou não “coisa de homem”.
Como suas próprias identidades foram construídas desde cedo em torno da repressão de sua espontaneidade em nome de um comportamento “de homem de verdade”, quando se confrontam com outros seres do sexo masculino que não cederam a esta repressão, sente uma espécie de raiva e necessidade de aplicar também esta opressão.
Ou seja, “se eu tenho que me esforçar 100% do tempo para ser macho, então você também tem que fazer isso”. Se este homem “permite” que outro viva sem estas amarras, é como se isto invalidasse a própria identidade do agressor, que, por sua vez, passou por grande esforço e sofrimento para se adaptar a estes valores.
É como se a pessoa tivesse se esforçado a vida inteira para aprender as regras de um jogo e alguém lhe falasse que aquele jogo não tem nenhum valor. É um questionamento direto a identidade deste homem que teve sua liberdade castrada desde menino.
Quanto mais velho, mais difícil fica “sair do automático”, e entender que os valores que nos foram ensinados não são necessariamente bons para nós e para a sociedade como um todo. E por isso é tão nocivo infectar as novas gerações com estes comportamentos.
Como quebrar o ciclo? Certamente através da reflexão, da análise das consequências que a cultura machista provoca em nossa sociedade, e da tentativa de mudar nossas pequenas atitudes que alimentam esse vírus que se propaga de geração em geração.
E nisso o documentário The Mask You Live In faz um ótimo trabalho, assim como o reality show Queer Eye.
Que possamos educar os futuros homens de nossa sociedade, para que estes meninos tenham a liberdade de definir o que irá representar “ser homem de verdade” daqui para frente.
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