segunda-feira, 13 de abril de 2020

Ô Nuit, Ô Mes Yeux: Era uma vez o leste perdido

Com "Ó Noite, Ó Meus Olhos" (Ô Nuit, Ô Mes Yeux), este sublime romance ilustrado em francês, Lamia Ziadé nos fala de uma época que muitos podem não conhecer.
Ô nuit, ô mes yeux : Le Caire / Beyrouth / Damas / Jérusalem"  par Lamia Ziadé (Editions P.O.L, 576 pages, octobre 2015) 39,90 €


O mundo árabe naquela época girava em torno de estrelas femininas livres e reverenciadas de Marrakech a Bagdá. O Cairo, epicentro desta época de ouro, acolheu intelectuais, princesas, banqueiros, espiões, artistas, poetas, dançarinos de todas as origens que emocionaram a capital cosmopolita, a cidade de todas as possibilidades.

Originalmente, Lamia Ziadé queria dedicar um livro a Asmahan, um ícone absoluto, escandaloso e muito talentoso, que morreu aos 27 anos em um acidente de assassinato. Então, pesquisando o destino trágico de Amal Al-Atrache, ela se deparou com o destino de dezenas de outras mulheres, cada uma mais extraordinária.

Incapaz de parar ao longo do caminho, o livro traça o Oriente Médio entre as décadas de 1920 e 1970. "Se você contar a Asmahan, terá que contar tudo: todas as garotas da época, cantoras, dançarinas, atrizes, donas de cabarés, políticos, cantoras. E pouco a pouco, acabamos contando a história do pan-arabismo."

Lamia Ziadé nos dá uma jóia, um afresco fervilhante, onde seus deliciosos desenhos ilustram textos, sequências de vida dessas lendas, que fizeram milhões de corações árabes baterem. Ao folhear as páginas, suspeitamos que o trabalho de documentação era considerável e, portanto, ficamos surpresos ao descobrir histórias sobre aquelas que pensávamos que sabíamos tudo.

No fundo, a grande história se desenrola: a luta contra o protetorado francês no Levante após o colapso do Império Otomano, o Egito do rei Farouk, a revolução de 1952, as guerras árabe-israelenses e a nacionalização dos Canal de Suez. O orgulho dos árabes foi então encarnado no carisma de Nasser e seu colega feminino, Oum Kalthoum, que foi apelidado de Estrela do Oriente.
image4
Entre os dois, uma profunda amizade tingida com respeito mútuo emergirá; os raïs até fazem o impossível: convencer a diva a cantar Abdel Wahab, sua maior rival por tantos anos. O sonho de um povo inteiro se torna realidade, a “quarta pirâmide” e o “último faraó” se uniram em torno do que continua sendo uma das canções mais bonitas da diva: Enta Omri.

Mohamed Abdel Wahab vai revolucionar a música árabe, abrindo-a para múltiplas influências: jazz, tango, valsa, rumba. Originalmente de um ambiente modesto e conservador, como Oum Kalthoum, lutará toda a sua vida para reconhecer o estatuto de artista na sociedade. Na época, não foi fácil, mesmo depois de mergulhar no trabalho de Lamia Ziadé, ficamos surpresos ao ver a liberdade moral que reinava ali.
Oum Kalthoum conquistou sua autoridade no meio. Escolhia e dirigia sua banda, dirigia as rádios onde cantava, mudava as letras das músicas se quisesse. Tudo para sua satisfação pessoal.

"Senti a necessidade pessoal de compartilhar outro mundo árabe que não seja o que nos é mostrado o tempo todo no Ocidente, composto de terrorismo, jihadismo, mulheres com véu, considerações geopolíticas, guerras. (...) É importante lembrar que este mundo existia, que havia sido um período de abertura, tolerância e criação artística. Ela pode voltar um dia, mesmo que ele esteja muito otimista em pensar assim", disse Lamia Ziadé.


Hoje, os layali de Fayrouz ainda ressoam nos táxis de Beirute e nos de Oum Kalthoum, nos becos do Cairo. O Tarab, esse êxtase musical que abraça seu coração, o eleva e o faz girar, está sempre presente quando você ouve suas vozes. A paixão e o glamour desertaram, fazendo-nos até duvidar que esse tempo realmente existisse. Felizmente, porém, a nostalgia encantadora que emerge de "Ô Nuit, Ô Mes Yeux" está lá para nos lembrar.

image3

Nenhum comentário:

Postar um comentário